
Motoristas xingando, pedestres querendo passar, uma confusão entre ruas estreitas, veículos com carga e descarga de mercadorias em mercados, guardas tentando organizar isso tudo, gente proferindo impropérios, batidas acontecendo, brigas por toda parte, o caos descendo sobre todos os que querem simplesmente se deslocar de um lugar a outro. O governo tenta impor medidas para controlar o tráfego, cria sistemas de restrição por horário, e tudo isso falha. Seja porque as leis eram idiotas e não pensadas no que poderia acontecer, ou porque as pessoas simplesmente ignoravam.
Tudo isso lhe parece familiar? Bem, não é nenhuma novidade, pois eu estou descrevendo uma situação que acontecia na Babilônia, Egito e até em Roma, durante aquele período fascinante chamado Antiguidade.
Pense nesta cena de rua no fim da tarde na antiga Pompeia: com as restrições de trânsito suspensas nas duas horas que antecedem o anoitecer, o cocheiro corre com sua carruagem entre pedras sobre as quais duas mulheres acabaram de passar para evitar as poças de água da chuva. Ele tira um fino, elas proferem alguma conjuração para amaldiçoá-lo, ele dá de ombros.
Do material legislativo e literário produzido no coração do mundo romano antigo, podemos recriar com bastante precisão a situação existente em termos de tráfego de veículos, daí vemos que nada hoje é exclusivo. O homem antigo teria poucos problemas de entender alguns de nossos problemas atuais.
Primeiro devemos lembrar que os romanos manejavam carros e carroças puxados por cavalos ou mulas que exigiam mais força física do que a esperada de um condutor hoje, nem sempre necessitando desenvolvimento intelectual semelhante. Além disso, a cidade de Roma cresceu sem a orientação de uma comissão de planejamento urbano e de um plano mestre de ruas e vielas, e isso não é pouco comum aqui no Brasil, em que as cidades tidas como “naturais” tiveram as suas ruas sendo originadas de caminhos, muitas vezes tortuosos, porque desviavam de algum obstáculo natural intransponível para pessoas e/ou animais, mas que com o calçamento poderia ter sido resolvido. Não foi o caso nem de lá nem daqui.
Na época de Júlio César, os veículos tinham-se tornado um problema tão potencial tanto para os cidadãos como para os magistrados que algo tinha de ser feito. Por razões bem diferentes, uma lei foi aprovada no final do século III A.E.C. proibindo as mulheres de andarem em carruagens. Isto foi incluído numa medida de guerra que restringia a exibição do luxo feminino e podemos imaginar com pouca dificuldade o sentimento que as distintas patrícias de Roma tinham por Caio Ópio, o criador da lei. Aliás, esse mesmo Caio Ópio publicou um livro com o título: “César não é o pai do filho, como diz Cleópatra”, dando aquela puxada de saco no bom César.
Vinte anos depois, forçaram a revogação desta lei, mas durante o século 1 E.C., as mesmas restrições à equitação feminina voltaram a vigorar. De novo, as distintas patrícias não ficaram nada satisfeitas. As mulheres pobres? Bem, essas não tinham estes problemas porque andavam a pé, mesmo.
O problema enfrentado por César, contudo, era de âmbito muito mais amplo e foi necessário um homem como ele para produzir a solução definitiva. Como eu contei no outro texto, Caio Júlio – não sendo muito esperto neste tipo de questão, sendo melhor estrategista militar – proibiu o uso de veículos particulares nas ruas da cidade durante as primeiras dez horas do dia.
Em cada dia romano havia doze horas de luz do dia ajustadas de acordo com a estação. Isso significava que durante as últimas duas horas antes de escurecer alguém poderia começar a dirigir. Consequentemente, todas as entregas comerciais eram feitas à noite, enquanto veículos pesados que transportavam passageiros pagantes e suas bagagens (a gente chama de busão, hoje), deixavam a cidade bem no final da tarde ou no início da manhã, antes do nascer do sol. Isso acabava com a paz do cidadão romano que tentava dormir mas a barulheira de rodas rolando sobre chão de pedras não deixando, além do falatório dos entregadores e comerciantes.
MAS CALMA! Império não é bagunça – mesmo quando não é império ainda – e ninguém queria problema com poderosos, e – é claro! – havia exceções! Generais desfilando, virgens vestais e sacerdotes sempre podiam trafegar em suas carruagens a qualquer horário do dia. O mesmo acontecia com veículos nas procissões prescritas para festas religiosas específicas. Como o governo romano estava intensamente interessado na construção de edifícios públicos, também concedeu aos empreiteiros que trabalhavam nestas estruturas o direito de transportar os seus materiais em vagões durante o dia. Algum sarcástico poderia alegar que era a Oderbrecht, mas isso seria maledicência, já que eles não estavam atuando naquela épocaCitation needed.
Obviamente, Caio Júlio não ia bater de frente com os figurões. Alguma coisa de ruim poderia acontecer. Vai que ele sofresse alguma emboscada e tomasse umas facadas?
Não apenas isso, havia algumas ruas residenciais romanas onde os veículos eram proibidos tanto de dia como de noite. Não eram necessárias placas de sinalização para indicar esta condição, pois era muito mais fácil erguer postes de pedra ao longo da estrada. Não, é claro que não eram em locais de gente pobre. Como adivinhou?
Aprendemos com Pompéia que a construção de estradas muitas vezes havia pequenas lajes de pedra que atravessavam a rua, de uma calçada a outra, como se fossem passarelas de pedestres. Assim, as pessoas a pé evitavam os fluxos de água e lixo que escorriam pelas ruas não adequadamente equipadas com esgotos subterrâneos e, ao mesmo tempo, o tráfego noturno era mantido em velocidade lenta para não colidir com essas obstruções, ou seja, tinham inventado o quebra-molas antes das molas de veículos. De maneira semelhante, sulcos feitos nas pedras do pavimento serviam para guiar as rodas de carruagens e carroças.
As próprias ruas estreitas da capital representavam um grande problema no que diz respeito à direção em que o tráfego deveria se mover. Algumas ruas ofereciam passagem apenas para uma carruagem ou carroça por vez e, ainda assim, parece não ter havido nenhuma tentativa oficial de criar ruas de mão única. Na verdade, o próprio condutor conseguiu isso enviando na frente um corredor que impedia o trânsito no extremo oposto até que a carruagem passasse.
Sabemos que os romanos ricos mantinham esses corredores quando viajavam para fora da cidade. Se não se recorresse a este dispositivo, havia toda a possibilidade de haver um engarrafamento no meio do quarteirão. Imagine as palavras rudes ou os condutores de carroças rudes enquanto mantinham a vizinhança acordada na escuridão da noite enquanto disputavam o direito de passagem entre si.
Mas quem exatamente tinha a responsabilidade de prender aqueles que ignoravam as regras de trânsito? Para responder a isto devemos primeiro compreender o forte sentimento que os romanos tinham pela divisão do dia em duas partes, as horas de luz e as de escuridão.
Em plena luz do dia, a vida seguia sua rotina normal. Depois de escurecer, porém, o acaso e a natureza distorcida de alguns homens criaram um mundo em que as vidas dos cidadãos eram muito provavelmente ameaçadas. Com isto em mente, o imperador Augusto, no ano 6 E.C., após uma tentativa anterior sem sucesso, lidou com a ameaça noturna de incêndio estabelecendo uma brigada de incêndio de sete mil homens. Oficialmente conhecido como “Vigiles”, o grupo era familiarmente chamado de “pequenos companheiros de balde”. Como já havia dividido Roma em quatorze regiões, o imperador agrupou esses homens em unidades de mil, sendo cada unidade responsável por duas regiões da capital.
Além de patrulhar as ruas em busca de incêndios, os homens também levavam sob custódia escravos fugitivos e pessoas que pareciam estar envolvidas em atividades criminosas, especialmente ladrões e assaltantes. Para os infratores de trânsito, eles provavelmente tinham pouca preocupação, uma vez que as restrições não estavam em vigor durante a noite.
No entanto, os Vigiles reprimiam quaisquer distúrbios nas ruas causados por condutores de carroças vociferantes. Com efeito, Augusto atribuiu assim a este corpo de bombeiros as responsabilidades policiais anteriormente atribuídas aos Três Homens da Noite, um estado-maior especial organizado na época republicana para patrulhar as ruas à noite. Sob Augusto, esses três homens continuaram suas funções como guardiões de prisioneiros no Carcer, ou prisão estadual.
E quanto ao dia, alguém pergunta. Além das Vigiles ou corpo de bombeiros noturno e força policial, também existia um corpo de três mil homens conhecido como “Coortes Urbanas”. Eles tinham tarefas designadas principalmente para o dia. Como havia quartéis nos portões da cidade para os Vigiles, parecia lógico que certos contingentes das Coortes Urbanas fossem designados para os portões do nascer do sol até quase o pôr do sol, pelo menos para o propósito de fazer cumprir a lei. Assim, seria muito fácil parar qualquer carruagem ou carroça tentando entrar na cidade propriamente dita e prender qualquer um que tentasse sair da cidade em um veículo com rodas.
Claro, durante o início do Império, as antigas muralhas da cidade do século IV A.E.C. não cercavam mais toda a área de Roma, que continuou a crescer, se afastando cada vez mais do centro antigo. Na medida em que Augusto criou uma curadoria especial para estradas além das muralhas da cidade, conclui-se que era meramente o coração de Roma dentro das Muralhas Servianas que era governado pelas leis de trânsito.
É interessante notar que os Vigiles não eram cidadãos romanos normais, mas homens que haviam sido libertados da escravidão. Em tempos anteriores, a cidade de Atenas empregava escravos como polícia metropolitana e salienta-se que Augusto, ao estabelecer as suas tropas de bombeiros noturnos, modelou a organização de acordo com a existente em Alexandria, onde os escravos eram utilizados em funções semelhantes.
Augusto utilizou libertos, entretanto, considerando esse arranjo mais seguro e político. É possível desenvolver argumentos a favor e contra a lealdade de tais homens, mas as evidências indicam que a fé dos governos ateniense, alexandrino e romano não foi descabida. É claro que várias pressões foram exercidas e a própria Roma ofereceu o incentivo a uma forma restrita de cidadania romana concedida quando os libertos cumpriam um período de seis anos como membros dos Vigiles.
Se o infrator fosse levado à noite pelo contingente local dos Vigiles, ele seria levado perante seu oficial supervisor, o Prefeito dos Vigiles, quando ele abrisse o tribunal no dia seguinte em seu quartel-general do lado de fora da antiga Porta Ratumena. O prefeito presumivelmente levava uma vida bastante extenuante supervisionando as atividades de seus homens à noite e ouvindo pequenas infrações da lei durante o dia. Essa rotina era prescrita pelas próprias leis, mas podemos ter certeza de que o pobre homem delegava sua autoridade durante alguma parte da noite para que pudesse garantir algumas horas de sono tranquilo.
No caso de um infrator diurno, o assunto seria apresentado ao Prefeito da Cidade, sob cuja autoridade as Coortes Urbanas foram colocadas. Este prefeito conduzia o tribunal no Fórum de Augusto, onde ficava o grande templo de Marte, o Vingador. Na teoria e na prática, o Prefeito das Vigilies estava sujeito ao controle do Prefeito da Cidade e apenas nos casos de trânsito mais importantes envolvendo pessoas de alta patente o Prefeito da Cidade se envolveria.
Em ambos os casos, a punição provavelmente tomaria a forma de uma multa. Novamente, no entanto, devemos lembrar que as evidências sugerem que as violações de trânsito ocupavam uma porção minúscula do processo submetido a cada um dos magistrados mencionados. Ficamos com a impressão definitiva de que as violações de trânsito eram raras. Isso é bastante lógico quando todo o tráfego de veículos foi eliminado durante uma parte tão grande do dia. Parece que as ruas de Roma à noite eram mais ou menos terra de ninguém, e eu não sei por que alguém em perfeita sanidade mental faria questão de sair à noite, exceto por algo de extrema emergência.
Obviamente, chegamos a um outro ponto: quem comandava isso tudo? Sim, porque não podia ficar nas costas do imperador, não é mesmo? Bem, o governo romano atribuía as responsabilidades pela manutenção das ruas em boas condições a alguns dos vários magistrados urbanos conhecidos como edis.
Sob o imperador Augusto, este cargo continuou e era exercido por quatro homens ao mesmo tempo, responsáveis pelo policiamento das ruas e mercados, bem como pela supervisão de um corpo de escravos para combater incêndios. Os edis eram auxiliados por um grupo de quatro homens que passavam o tempo todo cuidando do estado das ruas, de preferência nas áreas nobres, e pobre que se lascasse. Nada diferente de hoje.
Foi somente no século IV A.E.C. que os cidadãos de Roma desfrutaram do luxo de sua primeira rua pavimentada, mas no século II A.E.C. muitas ruas da capital foram pavimentadas com blocos de tufo. Quando uma rua tinha que ser pavimentada ou repavimentada, os edis alocavam o trabalho a certos empreiteiros. O tesouro público assumia o custo da seção que se estendia até o meio da rua em frente aos edifícios públicos; aparentemente, os proprietários eram avaliados pelos custos restantes, se de fato não fossem assumidos pelo imperador ou por alguma pessoa rica e proeminente.
Os proprietários dos edifícios também eram responsáveis por manter as calçadas limpas e o imperador Domiciano, em 92 E.C., decretou que os lojistas não poderiam mais bloquear as calçadas com balcões exibindo seus produtos. Assim, o pedestre não era obrigado a tropeçar em escombros diversos ou a andar pelas ruas para evitar os balcões dos comerciantes. Mais uma vez, os edis eram as pessoas responsáveis pela aplicação dos regulamentos e, se o proprietário de uma propriedade não cumprisse as suas obrigações, os edis pagavam aos homens para remover os obstáculos ofensivos e depois cobravam o custo aos proprietários.
De tudo isso, fica bem evidente que os governos republicano e imperial tardios consideravam a segurança e o fluxo desimpedido do tráfego de pedestres um requisito fundamental para a proteção efetiva da vida privada e pública durante o dia.
Embora algumas poucas pessoas possam ter andado a cavalo, isso também foi proibido eventualmente. Mas à noite todas as restrições ao movimento de veículos foram removidas. Carroças comerciais subindo pesadamente a via expressa da Itália, como a Via Ápia ou a Via Óstia, eram paradas nos portões da cidade até as últimas duas horas de luz solar. Pessoas decidindo após o café da manhã que um passeio no campo poderia ser necessário tinham que ir até os portões da cidade em uma liteira ou a pé e lá pegar uma carruagem ou carroça. Embora alguns cidadãos ricos possam ter casas de carruagens anexadas às suas casas, podemos supor que grandes garagens públicas perto dos portões da cidade ainda precisam ser identificadas pelos arqueólogos.
Quem planejava a viagem com antecedência, saía da cidade em seus veículos antes do nascer do sol ou bem no final da tarde. Visto que, durante a viagem, passava-se a noite numa estalagem ou na casa de um amigo, o que era preferível de forma a percorrer o máximo de terreno possível antes do anoitecer e, assim, era menos provável que se deixasse Roma no final do dia.
Imponentes e importantes como eram as famosas estradas romanas, sua eficácia começava e terminava nas muralhas das cidades. Ao contrário de nossas modernas vias expressas, elas não conduziam o tráfego para o coração de uma comunidade. Embora muitas passassem diretamente por cidades menores, o tráfego era interrompido pelos limites dessas comunidades.
Por uma lei do imperador Cláudio, o viajante tinha que descer de sua carruagem e atravessar a cidade a pé, em uma cadeira de transporte ou em uma liteira. Isso deve ter sido um grande incômodo se a lei fosse seriamente aplicada. Suspeitamos, no entanto, que as autoridades não eram rigorosas, ainda mais quando levamos em conta cidadãos abastados.
Por exemplo, Adriano, no início do século II E.C., decretou que nenhum cavalo deveria ser montado dentro dos limites da cidade. No entanto, mais tarde no mesmo século, Marco Aurélio teve que emitir o mesmo mandato, bem como outros repetindo a legislação anterior contra andar e dirigir dentro dos limites de qualquer cidade. Essa repetição óbvia de leis revela um estado bastante frouxo de aplicação da lei, o que nos leva a ter em mente que, assim como no Brasil, havia o conceito da “lei que não pega”.
No entanto, as próprias leis de trânsito de veículos carregavam os meios de sua própria destruição; desde o início, exceções eram concedidas além daquelas relacionadas a funções religiosas. No século III E.C., essas isenções foram estendidas a vários magistrados estaduais e foram assumidas por outros de alta posição social. Os pedestres não estavam mais livres da ameaça de ferimentos ou mesmo morte nas mãos de um condutor de carruagem ensandecido.
Desde então, os condutores continuaram a multiplicar-se e os governos municipais tornaram-se cada vez mais relutantes em legislar contra a classe privilegiada, a única com fundos suficientes para comprar e manter meios de transporte privados. Mesmo com o declínio da eficácia das proibições de trânsito romanas, era impensável que alguém passasse de carro pelo fórum que compreendia o coração de uma cidade romana. Afinal, você pode ser rico e poderoso, mas sempre tem alguém mais rico e poderoso que você, e você realmente não iria querer algum problema.
Problemas antigos se resolvem com soluções antigas. Só que nem todo mundo aqui pode ser rico e poderoso e ser o verdadeiro poder por trás de um império, não é mesmo?
