
O Professor estava em seu trabalho, absorto com números, equações e as complexidades do Universo. Em seu âmago, o Professor travava uma luta contra si mesmo, apesar de estar alheio a essa guerra. Uma guerra que ele iria perder, mesmo tendo ajudado a vencer outra guerra há anos jogada no passado. De repente, em meio a uma lancinante dor, o Professor cai prostrado, e então o mínimo de consciência do que estava ocorrendo passou pelo seu prestigiado cérebro, mas essa informação não durou muito tempo por lá, já que ele caiu na inconsciência.
O professor foi levado correndo ao hospital e lá exalou seu último suspiro; entretanto, sua história não acabaria ali, pois outros cientistas resolveram que era demais perder a oportunidade de aprender mais, embora a ética soasse como algo mais sendo uma barreira do que uma norma. Assim, mãos pecaminosas fizeram um trabalho medonho e o que jamais deveria ter sido feito acabou sendo feito.
Essa é a história de quando roubaram o cérebro de Albert Einstein.
Esta é uma história tão fascinante quanto bizarra. E sim, eu escrevi exatamente o que aconteceu: roubaram o cérebro de Einstein. Por sorte (coloque quantas interrogações quiser), tio Albert já estava morto quando retiraram o cérebro dele.
Eu não preciso falar muito sobre Albert Einstein. Aquele tema de sempre de ele ser um aluno de mediano para ruim segundo os padrões alemães (e a história real não é bem essa, mas vou passar batido por isso) acabando por ter uma vida complicada já que não basta ser gênio para chegar à riqueza. Muita gente burra consegue chegar lá, mas manter essa fortuna é secundário.
Estou me dispersando. Voltemos ao assunto.
Einstein tinha ido morar na Suíça com sua família, mas em 1933 aconteceu umas coisinhas chatas na Europa. Um tal de ascensão de nazistas ao poder. Sendo de família judia, Einstein era esperto o suficiente para saber que aquilo não iria dar em alguma coisa boa, então, fugiu para os Estados Unidos, onde se tornaria um ícone em vários sentidos.
Einstein acabou por se estabelecer em Princeton, Nova Jersey, onde ele assumiu um cargo no Instituto de Estudos Avançados. Ele foi um dos que escreveram uma carta falando da necessidade de desenvolvimento de bombas atômicas antes que outros aventureiros fizessem primeiro. Aquele papo de pacifista é ótimo para os filmes e obras literárias em geral, mas a realidade não é preto e branco. Tem umas certas… nuances.
Deixando isso de lado, Einstein tinha outros problemas. Por quase quatro décadas, tio Albert lutou contra doenças crônicas, principalmente distúrbios digestivos, doenças no fígado e dores de estômago. Em 1948, ele conseguiu escapar da morte graças a uma operação estranha feita pelo dr. Rudolf Nissen, quando o bom facultativo envolveu o aneurisma da aorta de Einstein com celofane, desencadeando uma reação corporal que milagrosamente impediu uma ruptura.
Sim, isso é tão estranho quanto soa. Mas, acaba com o adágio: se funciona, funciona.
Após uma longa e dolorosa recuperação, Einstein disse à família e aos amigos que não passaria por mais cirurgias no futuro e, se complicações fatais surgissem, ele não lutaria contra elas. E foi exatamente isso que aconteceu com sua morte.
Em 17 de abril de 1955, Einstein foi hospitalizado no Princeton Hospital em Nova Jersey após apresentar dores abdominais agudas. Na madrugada do dia seguinte, às 1h15, Albert Einstein faleceu aos 76 anos. A causa mortis foi determinada como ruptura de aneurisma da aorta abdominal, condição para a qual havia sido submetido a uma cirurgia experimental sete anos antes.
Conforme documentado em seu testamento e confirmado por seu executor Otto Nathan, Einstein havia expressado o desejo explícito de que seu corpo fosse cremado e suas cinzas dispersas em local não revelado, sem cerimônias ou publicidade. Apesar destas instruções claras, a família de Einstein consentiu com a realização de uma autópsia para determinar precisamente a causa de sua morte, especialmente considerando sua aparente boa saúde nos dias anteriores ao episódio fatal.
E é aqui que a sucessão de absurdos começa.
O dr. Thomas Stoltz Harvey foi o patologista do Princeton Hospital encarregado da autópsia. Ele identificou prontamente a causa da morte como hemorragia massiva resultante do rompimento do aneurisma da aorta abdominal, conforme registrado no relatório oficial. No entanto, por algum motivo pouco compreendido, mas do qual podemos fazer alguma ideia, Harvey tomou uma decisão sem autorização prévia da família ou dos executores testamentários: ele procedeu com a remoção e apropriação do cérebro do nosso eminente físico.

Os registros históricos indicam que Harvey, após completar a autópsia protocolar, removeu o crânio e extraiu o encéfalo. O encéfalo é muito mais que o cérebro. Os órgãos que compõem o encéfalo são o cérebro, o tálamo, o hipotálamo, o epitálamo, o cerebelo e o tronco encefálico (composto pelo mesencéfalo, a ponte e a medula oblonga ou bulbo). Sim, é bastante coisa!
O corpo foi subsequentemente fechado e enviado para cremação conforme planejado, sem que a família tomasse conhecimento imediato da remoção do órgão. Harvey transportou o cérebro para um laboratório na Universidade da Pensilvânia, onde iniciou procedimentos de preservação.
Curiosamente, a formação acadêmica e a trajetória profissional de Harvey não davam a menor pista ou propensão a uma conduta irregular desse calibre; ou qualquer outra conduta irregular de uma forma geral. Nenhum acontecimento como insubordinação ou violação de protocolos médicos estavam em registros, acusações ou meras fofocas; nada! Formado pela Universidade de Yale em 1941, Harvey havia servido como médico militar durante a Segunda Guerra Mundial antes de assumir o cargo de patologista em Princeton. Sempre com uma conduta exemplar!
A família de Einstein tomou conhecimento da remoção do cérebro apenas após a cremação ter sido realizada. A revelação ocorreu quando Otto Nathan, executor testamentário de Einstein, recebeu uma ligação do Hospital de Princeton informando que Harvey havia preservado o cérebro para estudos científicos. Nathan, surpreso e consternado, confrontou Harvey imediatamente. Harvey, em sua defesa, afirmou ter agido conforme práticas científicas padrão considerando a importância histórica do falecido. Argumentou que o material biológico era de valor científico incalculável e que sua preservação constituía um dever para com a Ciência e a Humanidade. Após este confronto inicial, Harvey solicitou uma reunião com Hans Albert Einstein, filho do físico, que residia na Califórnia.
Durante o encontro, que ocorreu aproximadamente uma semana após o falecimento de Einstein, Harvey apresentou justificativas científicas para a remoção do cérebro e um plano de pesquisa preliminar. Apesar da clara violação dos desejos expressos por seu pai, Hans Albert, ele próprio um engenheiro com formação científica, encontrou-se em uma posição delicada: o ato já havia sido consumado e o corpo já cremado. O que adiantaria brigar agora? Iniciar um processo? Não era apenas uma questão de dinheiro. O que fazer?
Após deliberação, Hans Albert concedeu aprovação retroativa condicional, estabelecendo requisitos específicos: o cérebro deveria ser utilizado exclusivamente para estudos científicos legítimos; os resultados deveriam ser publicados em periódicos acadêmicos respeitáveis; e o material não poderia ser utilizado para qualquer forma de exposição pública ou sensacionalismo. Documentos posteriores indicam que outros membros da família Einstein, particularmente a filha mais nova Margot Einstein, expressaram reservas mais severas quanto à situação.
Harvey concordou com os termos e os processos de preservação e estudo começaram.
Harvey empregou técnicas padrão de neuropatologia para preservar e processar o cérebro de Einstein. Os procedimentos documentados incluem:
-
Fixação inicial em formaldeído a 10%, um procedimento padrão para preservação de tecido neural;
-
Documentação fotográfica extensiva do cérebro intacto de múltiplos ângulos;
-
Segmentação do cérebro em aproximadamente 240 blocos de tecido;
-
Processamento histológico de porções selecionadas, resultando em aproximadamente 1.000 lâminas microscópicas;
-
Coloração de cortes usando técnicas histológicas padrão, incluindo coloração de Nissl para visualização neuronal.
Contrariamente às expectativas iniciais baseadas nas teorias dominantes da época, Harvey constatou que o cérebro de Einstein pesava aproximadamente 1.230 gramas, significativamente abaixo da média masculina de 1.350 gramas, refutando a hipótese simplista de correlação entre massa cerebral e capacidade intelectual excepcional.
Nos anos subsequentes à morte de Einstein, Harvey manteve a posse do cérebro em circunstâncias progressivamente mais controversas. Em 1960, Harvey deixou seu cargo no Princeton Hospital – não há consenso historiográfico se sua saída foi relacionada à apropriação do cérebro ou a outros fatores profissionais. Durante as duas décadas seguintes, Thomas Harvey trabalhou em diversas instituições médicas de menor projeção, principalmente no Midwest americano.
Durante este período, Harvey não publicou nenhum estudo científico significativo sobre o material em sua posse, apesar do compromisso assumido com a família Einstein. Documentos e depoimentos posteriores indicam que o cérebro foi transportado com Harvey em suas múltiplas mudanças residenciais, sendo armazenado em condições subótimas que variavam desde frascos em armários pessoais até recipientes em sua residência particular.
A documentação histórica deste período é escassa, mas relatos posteriores sugerem que Harvey ocasionalmente fornecia pequenas amostras a pesquisadores selecionados, embora sem um protocolo de pesquisa coordenado ou sistemático. Esta fase foi caracterizada pela ausência de supervisão institucional e pela falta de progresso científico documentado, contrastando marcadamente com o valor potencial do material biológico em questão.
Em 1978, o jornalista Steven Levy, então repórter do New Jersey Monthly, após extensa investigação, localizou Harvey em Wichita, Kansas, onde trabalhava como supervisor médico em uma fábrica de plásticos. O artigo resultante, intitulado “I Found Einstein’s Brain” (Encontrei o Cérebro de Einstein), revelou ao público pela primeira vez o paradeiro do cérebro do físico e as circunstâncias de sua apropriação.

Levy documentou que Harvey mantinha o material neurológico armazenado em condições improvisadas: alguns blocos de tecido em frascos contendo formaldeído e centenas de lâminas microscópicas, tudo organizado em caixas de papelão rotuladas “Costa Ciders” em seu escritório particular. Este relato jornalístico causou considerável controvérsia na comunidade científica e médica, levantando questões sobre a integridade do material e a legitimidade de sua aquisição.
A publicidade resultante da reportagem de Levy catalisou uma mudança na trajetória do “Caso Einstein”. O escrutínio público e acadêmico subsequente começou a pressionar Harvey para disponibilizar o material para estudos científicos formais, conforme havia prometido originalmente à família Einstein.
A partir de 1982, Harvey começou a distribuir sistematicamente amostras do cérebro de Einstein para neurocientistas qualificados. Esta mudança de comportamento resultou em uma série de estudos publicados em periódicos revisados por pares, validando parcialmente – embora tardiamente – as justificativas iniciais para a preservação do cérebro. Entre os estudos mais significativos, destacam-se:
-
On the brain of a scientist: Albert Einstein (1985): Conduzido pela drª. Marian Diamond da Universidade da Califórnia em Berkeley, este estudo identificou uma proporção elevada de células gliais em relação aos neurônios na área 39 de Brodmann no lobo parietal inferior. Esta região está associada ao processamento matemático e visualização espacial.
-
Alterations in cortical thickness and neuronal density in the frontal cortex of Albert Einstein (1996): Colaborando com o neurocientista Britt Anderson da Universidade do Alabama, Harvey publicou evidências de densidade neuronal aumentada no córtex pré-frontal de Einstein, uma área associada ao pensamento abstrato e planejamento complexo.
-
The exceptional brain of Albert Einstein (1999): Sandra Witelson da Universidade McMaster no Canadá documentou uma anomalia estrutural significativa: a ausência do sulco lateral (fissura de Sylvius) que normalmente divide o lobo parietal. Esta configuração anatômica incomum potencialmente permitia maior conectividade neural entre regiões cerebrais tipicamente segregadas.
-
The cerebral cortex of Albert Einstein: a description and preliminary analysis of unpublished photographs (2012): Utilizando fotografias originais do cérebro intacto descobertas nos arquivos de Harvey, este estudo confirmou a morfologia atípica dos lobos parietais de Einstein e identificou características adicionais, incluindo um córtex pré-frontal excepcionalmente desenvolvido e expansão das regiões associadas à integração somatossensorial.
Coletivamente, estes estudos apresentam evidências de diferenças estruturais específicas no cérebro de Einstein, particularmente nas regiões associadas ao pensamento visuoespacial, cognição matemática e integração multissensorial. É importante ressaltar, entretanto, que estas descobertas representam observações em um único indivíduo e não permitem extrapolações definitivas sobre as bases neurológicas da capacidade intelectual excepcional.
Entretanto, o mais importante é: o que aprendemos com o caso do cérebro de Albert Einstein sem necessariamente ser sobre o cérebro de Albert Einstein?
O que temos aqui é um caso em que nos aparecem questões fundamentais de ética médica, especificamente relacionadas ao consentimento informado e à autonomia do paciente. As ações de Thomas Harvey violaram princípios deontológicos médicos estabelecidos, particularmente o respeito pela autonomia do paciente e pela integridade do corpo post-mortem.
A apropriação do cérebro ocorreu em um período histórico anterior à formalização de muitos protocolos éticos que regulamentam atualmente a pesquisa em tecidos humanos. Os Princípios de Nuremberg (1947) e a Declaração de Helsinque (1964) forneciam diretrizes gerais sobre consentimento informado, mas sua aplicação específica a tecidos post-mortem permanecia ambígua na prática médica cotidiana da década de 1950.
Entretanto – e o diabo está nos “entretantos” assim como nos detalhes –, apesar de questionável, a aquisição do material neurológico de fato ajudou a elucidar muitas questões envolvendo o cérebro humano, acabando por gerar publicações em periódicos respeitáveis. Esta evolução apresenta um dilema ético persistente: o valor científico subsequente pode retroativamente justificar violações éticas iniciais? O fim com o aprendizado justifica os meios escusos empregados? Para isso, os elfos não têm resposta. Deveríamos usar isso como argumento para ações futuras? De meu ponto de vista, não, mas de um modo geral, a larga maioria não se preocupa muito com o que eu penso ou deixo de pensar.
Em 1998, o dr. Thomas Stoltz Harvey finalmente transferiu as amostras remanescentes do cérebro de Einstein e a documentação associada para o patologista Elliot Krauss, no Hospital Médico de Princeton, devolvendo simbolicamente o material à instituição onde a apropriação inicial ocorreu. Após o caso, Harvey perdeu seu emprego no Hospital de Princeton e viveu uma vida reservada, trabalhando como patologista em diferentes cidades.

O cientista que deu mais peso à necessidade de saber do que com a ética de como saber faleceu em 5 de abril de 2007, aos 94 anos, em Lawrenceville, Nova Jersey. Sua morte, causada por complicações de um derrame, foi noticiada discretamente, encerrando a trajetória de um homem cuja obsessão por entender a genialidade de Einstein deixou um legado científico e ético complexo. Após seu falecimento, as amostras foram posteriormente transferidas para o Museu Nacional de Saúde e Medicina dos Estados Unidos em Silver Spring, Maryland, onde permanecem até o presente como parte de sua coleção neuroanatômica.
Mais do que um aprendizado sobre neuroanatomia, o caso permanece um estudo significativo para bioeticistas, historiadores da medicina e neurocientistas, ilustrando tensões fundamentais entre avanço científico e padrões éticos, e entre direitos individuais e potencial benefício coletivo. Ele representa um marco na evolução da ética de pesquisa biomédica e na compreensão neurocientífica da base biológica da cognição excepcional.
O legado deste episódio continua a fazer parte das discussões contemporâneas sobre ética em pesquisa, protocolos para aquisição e estudo de tecidos humanos, e os limites apropriados da investigação científica.
Porque, em última análise, cientistas são pessoas e pessoas estão sempre sujeitas às características que nos faz humanos, mesmo que essas características possam ou não serem consideradas erradas.
O preço da liberdade da pesquisa científica é a eterna vigilância.
