
Eu tenho um problema. Aliás, não. Muitos milhares: jovens. Motivo? Eles existem. Ainda hoje uma criatura de 20 anos que estuda computação teve a pachorra de me dizer que hoje arquitetos não fazem um panteão, mas fizeram a casa do Gustavo Lima (vai com um T, mesmo. Foda-se) que é a mesma coisa.
Malditos jovens!
Primeiro de tudo, a casa tosca do Gustavo Lima é esse lixo aqui. Ser caro não significa que preste. Vide carros da Jeep.

Pois, é. Parece uma loja da Havan.
Vamos falar do Panteão, aquela maravilha, a expressão máxima da Engenharia e estética arquitetônica da Antiguidade, a obra monumental que é uma referência histórico-cultural que impactou a História da Arquitetura e impressiona até hoje, principalmente por não se ter certeza como conseguiram fazer aquilo.

Combinando uma análise técnica rigorosa com uma apreciação da experiência mística do espaço, o Panteão continua a nos desafiar mediante as nossas técnicas de construção atuais, apresentando-se como um fenômeno que transcende sua materialidade para tornar-se um paradigma da genialidade humana.
O Panteão de Roma representa não apenas um monumento da engenhosidade romana, mas um fenômeno arquitetônico sem precedentes que continua a desafiar as noções contemporâneas de excelência estrutural e beleza formal. Reconstruído sob o governo do imperador Adriano entre 118-125 E.C., sobre os alicerces do templo original, o edifício ergue-se como testemunho da sofisticação técnica, matemática e estética que caracterizou o apogeu do Império Romano.
A historiografia contemporânea estabelece que o Panteão atual substitui duas estruturas anteriores: o templo original comissionado por Marco Agripa (27 A.E.C.) durante o principado de Augusto e uma reconstrução subsequente após o incêndio de 80 E.C. A inscrição bem à sua frente – M·AGRIPPA·L·F·COS·TERTIVM·FECIT (Marco Agripa, filho de Lúcio, cônsul pela terceira vez, construiu isto) – preserva a memória do edifício original, embora a estrutura que contemplamos seja inteiramente adriânica.
A transição do modelo retangular típico dos templos greco-romanos para a configuração circular da rotunda representa uma ruptura sem precedentes com as convenções arquitetônicas de sua época. Esta inovação reflete a evolução do pensamento arquitetural romano, que gradualmente se afastava dos cânones helênicos para desenvolver uma linguagem arquitetônica própria.

A magnitude do empreendimento manifesta-se primeiramente nas dimensões impressionantes: a rotunda, com seus 43,3 metros de diâmetro (142 pés romanos) – exatamente iguais à altura interna –, cria um espaço interior que poderia conter uma esfera perfeita. Esta proporção não é acidental, mas reflete uma concepção cosmológica onde o círculo e a esfera representavam a perfeição celestial.

A cúpula monolítica, ainda hoje a maior estrutura não reforçada de concreto do mundo, constitui um prodígio de engenharia cuja execução permanece objeto de debate acadêmico. Estruturalmente, apresenta cinco fileiras concêntricas de 28 caixotões (lacunários) que diminuem progressivamente em profundidade à medida que ascendem, criando não apenas um efeito visual de elevação, mas reduzindo significativamente o peso da estrutura.

Esta sofisticação estrutural é complementada pela gradação meticulosa dos materiais: concreto misturado com travertino pesado na base, tijolos e tufos na seção intermediária, e pedra-pomes leve próximo ao cume.
O oculus central, com 8,8 metros de diâmetro (aproximadamente 30 pés romanos), não constitui meramente uma abertura zenital, mas um elemento estrutural essencial que alivia a tensão da cúpula através de um anel de compressão. Simultaneamente, transforma-se em dispositivo simbólico, permitindo que a luz solar percorra o interior como um relógio cósmico, conectando o espaço humano à abóbada celeste. Nesse ponto, a luz acaba virando material de construção empregado naquela obra de arte.

A luz vinda do oculus não é apenas um material de construção físico, mas litúrgico. Durante o dies natalis Romae (21 de abril), quando o disco solar alinha-se perfeitamente com o oculus, projetando um feixe luminoso que atravessa a rotunda e irradia pelo portal monumental. Este fenômeno, resultado de cálculos astronômicos e geométricos deliberadamente incorporados ao projeto adriânico, transformava o edifício em instrumento arqueoastronômico que materializava na pedra a relação entre ordem cósmica e poder imperial. No período romano, o imperador, posicionado estrategicamente no limiar, seria momentaneamente transfigurado pelo raio lumínico – manifestação visual da auctoritas imperial como intermediária entre as esferas divina e humana.

Os muros cilíndricos da rotunda, com seus impressionantes 6,4 metros de espessura, incorporam uma série de nichos e câmaras ocas, engenhosamente distribuídos para aliviar o peso enquanto preservam a integridade estrutural. Este sistema de “esqueleto” interno, invisível ao observador casual, demonstra o domínio romano da estática estrutural e da distribuição de cargas.
O pórtico monumental, composto por dezesseis colunas monolíticas de granito egípcio (oito frontais e duas fileiras de quatro), cada uma pesando aproximadamente 60 toneladas e medindo 12,5 metros de altura, estabelece uma transição dramática entre o exterior urbano e o santuário interior. Os capitéis coríntios, esculpidos em mármore pentélico – oriundo do monte situado a nordeste de Atenas –, exemplificam a requintada artesania e a importação de materiais preciosos das províncias orientais.

Ao atravessar o imponente portal de bronze (restaurado, mas preservando elementos originais), o visitante experimenta uma transformação perceptiva radical: da axialidade horizontal do pórtico à expansão vertical da rotunda. Esta transição espacial deliberada intensifica o impacto psicológico do espaço interno, na qual a luz do oculus cria um efeito de transcendência. Aquela portal megalítico de bronze pode ser simplesmente movido sem nenhuma força e não, ninguém sabe como fizeram. Não se sabe direito os detalhes da construção do próprio Panteão.

O pavimento original, preservado em grande parte, apresenta um padrão geométrico de círculos e quadrados em mármores policrômicos (pórfiro roxo, granito cinza, mármore amarelo numídico e pavonazzetto frígio), estabelecendo um microcosmo terrestre que dialoga com a perfeição celestial da cúpula.
As paredes internas, articuladas por pilastras coríntias e nichos alternadamente retangulares e semicirculares, originalmente abrigavam estátuas das divindades planetárias e dos deuses olímpicos, estabelecendo um panteão literal. O revestimento marmóreo, com suas padronagens geométricas e cromáticas cuidadosamente calculadas, amplifica a percepção de profundidade espacial através de efeitos ópticos sofisticados.
Esta coreografia luminosa transcende a mera funcionalidade, transformando o edifício em um instrumento de medição cósmica e em veículo para a manifestação física do divino. A luz, materializada em feixe visível pela poeira suspensa, adquire substância quase tangível, criando uma hierofania permanente no centro do espaço sagrado.
Durante as precipitações, o espetáculo intensifica-se quando a chuva penetra verticalmente pelo oculus, evaporando-se antes de atingir o solo ou escoando discretamente através de drenos imperceptíveis no pavimento – uma solução elegante e magnífica que sublinha a preocupação dos mestres construtores com aspectos práticos mesmo em suas obras mais sublimes.
O Panteão representa simultaneamente o zênite e a síntese da capacidade construtiva romana. Sua preservação excepcional deve-se substancialmente à consagração como igreja cristã (Sanctae Mariae ad Martires, Santa Maria dos Mártires) pelo Papa Bonifácio IV em 609 E.C., exemplificando o fenômeno de continuidade e ressignificação cultural que caracterizou a transição da Antiguidade tardia para a Idade Média.
Sim, igualzinho à casa do Gustavo Lima e das lojas da Havan…
