
Durante a História da Humanidade, eclipses aterrorizaram as pessoas, mas são como aquelas luzinhas azuis atraindo insetos: como e o que eles são? Por que eles ocorrem? Só se pode saber indo investigar, nem que alguém tenha a ideia absurda de perseguir um eclipse.
Eclipses fascinam e apavoram pessoas desde a Aurora dos Tempos. A falta de compreensão do que ele é e o que causa causou vários problemas. Chineses achavam que eclipses eram mau-agouro, enquanto egípcios tinham medo, pois, eclipses significavam que Rá havia perdido sua batalha contra a maligna serpente Apophis. Os antigos gregos acreditavam que os eclipses eram um sinal da ira dos deuses para com os humanos, fazendo o Sol abandonar a Terra. A palavra “eclipse” vem da palavra grega ἔκλειψις (ekleipsis), que significa “abandono”.
Segundo Heródoto, Tales de Mileto falou sobre um eclipse que ocorreu durante uma batalha entre os medos e os lídios. Ambos os lados largaram as armas e declararam paz como resultado do eclipse. Não se sabe realmente se ocorreu um eclipse, mas modernos cálculos apontam que, ocorreu em 28 de maio de 585 A.E.C.
Existem dois tipos de eclipses. O Eclipse Solar e o Eclipse Lunar. O Eclipse Solar ocorre quando a órbita da Lua atravessa a região entre a Terra e o Sol, obstruindo o Astro-Rei momentaneamente. Isso faz com que, por alguns minutos, a luz do Sol fique obstruída. O Eclipse Lunar é quando a órbita da Lua passa pelo cone de sombra da terra, sumindo por alguns momentos. Claro, por causa dos fenômenos de refração, a Lua não “some”, ficando avermelhada.
Como eclipses não duram longos minutos, quiçá horas, a saída para estudá-los é subverter o tempo, enganando a Natureza, usando as próprias Leis da Natureza. Foi assim que, em 1973, cientistas conseguiram a façanha de viver um eclipse que durou 74 minutos. Como conseguiram isso? Eles literalmente perseguiram um eclipse!
Esta foi uma missão incrível que exigiu precisão na execução e cálculo de tempo que tinham tudo para dar errado: interceptar a sombra da Lua enquanto ela viajava a mais de 2.000 km/h pela superfície da Terra, e viajar com ela ficando sobre a sua sombra por mais de uma hora. Qualquer pessoa normal acharia que isso era loucura e jamais poderia ser feito. O problema é que um astrofísico francês, que certamente era louco, não sabia que era impossível.
Pierre Léna é um parisiense que nasceu em 22 de novembro de 1937. Ele olhou para cima e teve um sonho.

Não é esse sujeito e o sonho também não é esse.
Léna é astrofísico, e em 1972 começou a se preparar para o eclipse que se aproximava. Este seria um dos mais longos da história, com uma duração de mais de 7 minutos. Um eclipse tão longo não aconteceria por mais 200 anos! Dessa forma, ele estava ansioso para aproveitar ao máximo.
Ele estava particularmente interessado em observar a corona do Sol, a área de gás quente na qual as temperaturas vão para mais de 5.000 ºC. A corona é geralmente invisível da Terra, mas durante um eclipse, o Sol desaparece e a corona se ilumina, dando aos cientistas uma visão rara dessa misteriosa nuvem de plasma. Seria ótimo se pudessem ter mais tempo para observar aquela lindeza, não?
Mas mesmo durante um eclipse, estudar a corona é difícil, já que as nuvens e a atmosfera da Terra atrapalham. Então, como fazer? Bem, a saída é acompanhar o eclipse, mas isso não é nem fácil de falar, quanto mais de fazer. Dessa forma, para o eclipse de 1973, era “só” arrumar algo que viajasse alto o suficiente, bem acima das nuvens, e rápido, bem rápido, para se pudesse registrar tudo o que se pudesse da corona solar.
Algo como o…

Não, o SR-71 Blackbird não servia. Sim, essa lindeza da tecnologia aeroespacial era rápido o suficiente, mas não tinha espaço na cabine para acomodar o equipamento necessário. A saída então foi o irmãozinho um pouquinho mais lento: o Concorde.
O projeto do Concorde foi idealizado em fins da década de 50. Mas planejar um projeto é uma coisa, começar o projeto é outra e concluir um projeto deste tipo é algo insano. A construção do primeiro protótipo, o Concorde nº 001, iniciou-se em abril de 1965, nas instalações da Aérospatiale, em Toulouse, França. Após dois anos e meio de meticuloso trabalho, a aeronave estava pronta para brilhar nos céus. Em 2 de março de 1969, o nº 001 realizou seu voo inaugural, enquanto o protótipo nº 002, construído pela BAC em Filton, Inglaterra, decolou em 9 de abril do mesmo ano.

A estrutura interna do Concorde era uma verdadeira obra-prima da engenharia. Equipado com quatro motores Rolls-Royce/Snecma Olympus 593, ele era capaz de atingir velocidades de Mach 2, cerca de 2.200 km/h, o dobro da velocidade do som. A fuselagem, construída com materiais especiais resistentes ao calor gerado pela fricção com o ar, tornava-o uma aeronave singular. A cabine de passageiros, embora compacta, oferecia um luxo inigualável, com janelas minúsculas para suportar a pressão em altas altitudes e assentos de couro que garantiam o conforto supremo.
Em 1º de outubro de 1969, o Concorde nº 001 atingiu a velocidade transônica (Mach 1), e em 4 de novembro de 1970, rompeu a barreira do som, alcançando Mach 2. A partir de 1970, o Concorde embarcou em uma série de voos de demonstração ao redor do mundo, incluindo a inauguração do Aeroporto Internacional de Dallas-Fort Worth em 1973. Esses voos despertaram ainda mais o interesse global e resultaram em 60 novos pedidos de compra, mas isso ainda seria o futuro do ponto de vista da história que estou contando.
Então, o avião escolhido foi o Concorde. Só precisavam de alguém para pilotá-lo, e o escolhido foi o lendário piloto de testes André Turcat, pois, se tem alguém que vai fazer algo com perfeição, esse alguém tem que se chamar André; e só Turcat seria capaz de fazer o Concorde perseguir um eclipse! Como os voos comerciais do Concorde ainda nem tinham começado, a Aerospatiele – o lado francês do Concorde – ficou mais feliz que francês sem banho mas com uma baguete com a propaganda e o deixou usar o Protótipo 001 para o voo, mas com a condição que fosse realmente Turcat quem estivesse pilotando a aeronave.
Pierre e Turcat começaram a trabalhar, elaborando um plano de voo que maximizaria seu tempo na sombra da Lua. Para o eclipse de 1973, a sombra foi definida para começar na borda da América do Sul e seguir seu caminho até a África, onde a totalidade estaria em seu máximo. Ela estaria se movendo sobre o solo a cerca de 2.200 km/h, um pouco mais rápido do que a velocidade máxima do Concorde, mas o Concorde não estaria em solo de qualquer maneira.

Para permanecer na sombra da Lua o máximo possível, o Concorde teria que seguir um plano de voo muito preciso. A melhor chance de conseguir isso era sobre a África, mas isso não deu à equipe muitas opções de aeroportos. A maioria das pistas na África era muito curta para o Concorde – e as condições quentes significavam que o Concorde teria que carregar menos combustível durante a decolagem, minimizando seu tempo na sombra. Eles acabaram se estabelecendo na ilha de Gran Canaria, que tinha um clima mais frio e uma ótima pista.
O plano era decolar, voar para o sul e interceptar a sombra da Lua em um ponto específico sobre a Mauritânia e virar para leste, seguindo a sombra pelo deserto do Saara. Mas o caminho da sombra não era reto e, em vez disso, seguia uma curva de grande abertura. Isso tornaria as observações científicas de dentro do Concorde muito difíceis se ele tivesse que fazer curvas constantemente. E então Pierre e sua equipe criaram um caminho em linha reta que tocaria a borda norte da sombra, cortaria até sua borda sul e terminaria em sua borda norte. Isso lhes daria até 80 minutos na sombra sem ter que fazer uma única curva.
Como a sombra estaria viajando um pouco mais rápido que o Concorde, ela acabaria ultrapassando-o. E então, a equipe teve que encontrar a sombra em um ponto preciso na borda de ataque da sombra. Se eles chegassem com mais de 15 segundos de atraso ou um quilômetro de diferença, eles sairiam da sombra muito mais cedo, e seu tempo total seria drasticamente reduzido. Mas chegar ao ponto de interceptação tão precisamente com todas as variáveis do clima seria um grande desafio.

Com um plano de voo bem elaborado, Pierre recrutou outras 4 equipes de cientistas que realizariam experimentos a bordo do Concorde. Como o Concorde iria voar acima da Linha do Equador, o eclipse ficaria diretamente acima da aeronave. Então, foram feitos “buracos” no teto do Concorde e janelas especiais foram instaladas para dar aos cientistas uma visão clara do eclipse. Todos os assentos foram removidos da cabine e o sistema elétrico foi modificado para fornecer energia aos instrumentos científicos. Após semanas de modificações, o observatório científico mais rápido do mundo estava pronto para fazer história.

No dia 30 de junho, precisamente às 10:08 da manhã, o Concorde começou a rolar pela Pista 21. Turcat decidiu decolar 20 segundos mais cedo, dando-lhe tempo para corrigir quaisquer ventos contrários que pudessem atrasar o Concorde. Isso acabou sendo uma escolha sábia, já que o clima naquela manhã estava mais turbulento e eles acabaram perdendo 8 segundos durante a subida até a altitude. Com 12 segundos de tempo ainda a perder antes de atingir o ponto de interceptação, Turcat começou a acionar os freios aerodinâmicos para reduzir cuidadosamente a velocidade pouco a pouco. Isso rapidamente os aproximou da chegada correta.

Mas os ventos continuaram imprevisíveis e o Concorde desacelerou demais, ficando 4 segundos atrás do horário de chegada programado com apenas alguns minutos para o fim. Para compensar isso, o Turcat acelerou brevemente os motores além de sua velocidade máxima de operação de Mach 2,2 e o Concorde chegou ao ponto de interceptação com apenas 1 segundo de atraso e apenas um quilômetro fora do curso.
Exatamente no mesmo momento, o Sol desapareceu completamente atrás da Lua e o Concorde estava agora em completa escuridão. Apesar de ser meio-dia, as estrelas se tornaram visíveis e os cientistas puderam ver a coroa do Sol através de suas janelas. O Concorde agora estava correndo contra o tempo e a própria Lua – e então os cientistas começaram a trabalhar.
O que eles descobriram?
Pierre e sua equipe desenvolveram um telescópio que podia medir a luz infravermelha vinda da corona solar, descobrindo que ela tem ondas acústicas que a fazem pulsar a cada 5 minutos. Sob as quatro vigias especialmente instaladas no Concorde, Léna, o astrofísico britânico JohnBeckman e o restante da equipe buscavam vestígios de poeira deixados por cometas no halo solar, tentando descobrir se havia um anel ou uma esfera dessas partículas ao redor do Sol. Do outro lado da aeronave, o escocês Paul Wraith espiava por uma vigia lateral, observando como a súbita escuridão do eclipse afetava os átomos de oxigênio na atmosfera da Terra. Já Donald Liebenberg, veterano em perseguir eclipses pelo ar, media as sutis pulsações da luz solar.
Beckman, por sua vez, fazia jus ao título de multitarefa. Com um gravador preso ao peito, ditava suas observações sobre a cromosfera enquanto absorvia a experiência. “Todo mundo estava extremamente focado no que fazia”, relembra ele. “Mas, em um momento, olhei para fora e vi a borda da umbra, onde a penumbra se encontra com a luz do dia. Consegui ver a curvatura da Terra—foi incrível. Também observei a coroa solar e, à medida que a Lua encobria lentamente o disco do Sol, testemunhei a cromosfera piscando em um vermelho brilhante.”
A missão poderia ter continuado, mas o tempo estava contra eles. O local de pouso no Chade se aproximava rapidamente. As equipes encerraram suas medições e, antes da descida, conseguiram roubar alguns instantes para admirar as vastas areias do Saara, uma visão que poucos testemunham daquela altitude. No total, os cientistas haviam observado a totalidade do eclipse por um recorde de 74 minutos—mais tempo do que qualquer expedição anterior do século XIX havia conseguido somar.
O Concorde voou perfeitamente por 74 minutos antes de deixar a sombra da Lua e pousar num Chade em meio ao caos de um golpe de Estado. Foi algo… surreal!
Em um único voo, o Concorde havia proporcionado aos cientistas mais tempo de observação de eclipse do que todas as expedições do século anterior combinadas. O feito rendeu três artigos na prestigiada Nature e um mar de novos dados. Ainda assim, hoje, Léna, que recentemente publicou um livro sobre a missão, Racing the Moon’s Shadow, permanece modesto sobre o que conseguiram: testemunhar um dos espetáculos mais lindos do ponto de vista mais exclusivo.

Este continua sendo o eclipse mais longo experimentado por humanos, um recorde que provavelmente permanecerá por séculos… ou não. Tudo depende de algum louco que resolva fazer o impossível, ignorando se é impossível ou não.
E é por isso que irá fazer.
