Aguaceiro Mundial: quando choveu por 2 milhões de anos

O viajante foi muito longe dessa vez. Ele está olhando o evento. Ele presencia algo e esse algo ditará consequências incríveis. Caiu uma gota sobre o viajante, e esta gota escorre pela sua roupa de proteção. O viajante sabe o que vai acontecer, ele estudou sobre isso antes, mas não antes de acontecer; ele estudou muitos milhões de anos depois de acontecer. Este homem não é apenas um viajante que cruza distâncias, e sim um viajante que cruza as Eras. É um Viajante do Tempo.

Mais uma gota caiu. Ela escorreu pelo capacete; e mais uma, mais uma e assim começou a chuva. Uma chuva torrencial, intensa, volumosa. Esta é a chuva que caiu por 2 milhões de anos sem parar.

O mundo era muito diferente há milhões de anos. Os continentes de hoje simplesmente não existiam. Estavam todos juntos e misturados num supercontinente chamado Pangeia. Era um mundo em mudança e ela teria uma mudança muito drástica e se você não entende o motivo, olhe o mapa mundi de hoje. A geologia estava ativa e a atividade vulcânica desencadeou uma cadeia de eventos que praticamente tornou uma chuva inevitável. A chuva de milhões de anos!

Essa chuva que mudou o curso da vida na Terra, permitindo que os dinossauros dominassem o mundo em uma curva de 180º em termos evolutivos.

Pangeia foi o maior continente que já existiu na Terra, de longe, um recorde que provavelmente nunca será batido, dado que era do tamanho de todos os continentes atuais combinados! Seu enorme tamanho significava que o centro estava muito distante dos climas costeiros e, portanto, recebia muito pouca chuva, favorecendo a evolução de espécies que precisavam de menos água para sobreviver.

Durante esse período seco, há cerca de 300 milhões de anos, no período Carbonífero, surgiram várias espécies que ainda são importantes hoje, incluindo: libélulas, milípedes e aranhas. Os artrópodes fizeram a festa! A imensa quantidades de árvores enormes encheu o mundo de oxigênio, a níveis que hoje nós não conseguiríamos viver direito já que o oxigênio é altamente oxidante.

Durante esse período, os diapsídeos também explodiram, um grupo contendo lagartos e cobras, bem como arcossauros. Esse grupo de animais possui coluna vertebral e inclui os dinossauros (das quais as aves fazem parte), os crocodilos, jacarés e gaviais, além de muitos outros que já foram encontrados apenas em fósseis, como os ancestrais dos morcegos voadores (Pterosauromorpha), os dinossauros herbívoros de armadura (Ornithischia), os dinossauros de pescoço comprido (Sauropodomorpha) e outros.

Os arcossauros começaram a aparecer logo após a grande extinção que aconteceu no final do período Permiano, durante o início do Triássico. Nesse tempo esses animais se diversificaram muito rápido, dando origem a muitas espécies com modos de vida diferentes: alguns eram rápidos e viviam principalmente em terra, outros se adaptaram à vida na água, alguns eram bons em cavar e outros aprenderam a voar.

A Terra, há 300 milhões de anos, podia não ser o Inferno que era no Período Hadeano (seu nome é por causa disso, mesmo), mas ainda assim era um lugar implacável, com ameaças iminentes por todo canto. Enquanto a ficção mostra que o Mundo Antigo era extremamente vulnerável ao perigo que vem lá de cima, sob a forma de enormes pedregulhões, é sob a Crosta Terrestre que o perigo real estava adormecido…

Mas não por muito tempo.

As pessoas têm uma compreensão meio equivocada da Crosta Terrestre. Para o nosso parâmetro, sim, é uma espessura imensa, mas para a Terra, é apenas uma casca de ovo, enquanto lá nas profundezas, o extremo calor está fazendo de tudo para se libertar. Plumas quentes sobem do núcleo, crescendo rapidamente à medida que sobem e empurram o magma derretido contra a casquinha fininha da Crota. Essas enormes plumas conseguem romper a Crosta, ignorando completamente as falhas continentais, onde a atividade vulcânica moderna da Terra está concentrada (como o Círculo de Fogo do Pacífico).

Essas plumas podem liberar magma na superfície por mais de um milhão de anos no que é conhecido como Inundação de Basalto. As erupções de inundação de basalto são enormes erupções vulcânicas que liberam grandes quantidades de lava basáltica por meio de rachaduras na crosta terrestre, em vez de vulcões tradicionais. Essa lava é muito fluida e pode cobrir áreas gigantescas, formando extensos planaltos de rocha vulcânica. Alguns dos maiores exemplos desse tipo de erupção aconteceram na Rússia (Trapps Siberianos) e na Índia (Trapps do Decã).

São essas erupções que estão ligadas aos eventos de extinção mais incríveis durante a história da Terra e são a causa provável do evento de extinção mais destrutivo da história “A Grande Morte”. Quando as temperaturas do oceano subiram para 40ºC!

Apesar da capacidade da vida de evoluir, estima-se que mais 99% de todas as espécies que já viveram na Terra foram extintas. Claro, você não pode exatamente evoluir quando um asteroide do tamanho do Monte Everest viajando pelo Espaço a 40 km/s cai no seu quengo. Entretanto, esses processos vulcânicos, embora mais lentos e muito menos dramáticos, podem causar uma devastação muito maior por um período mais longo.

Evidências de vulcanismo de inundação estão espalhadas pelo mundo hoje. As erupções desses basaltos de inundação resultam na criação de enormes faixas inconfundíveis de terra, como as armadilhas siberianas no norte da Rússia, as armadilhas de Decã no oeste da Índia e a Grande Província Ígnea Wrangelliana no Canadá e no Alasca. Todos eles são fluxos resfriados de rocha basáltica com quilômetros de profundidade, tornando-os mais de cem vezes maiores do que supervulcões.

Quando datamos essas inundações de basaltos, vemos que muitas dessas erupções se alinham com eventos de extinção em massa. Esse é o nosso evento criador de chuva, que desencadeou o chamado Episódio Pluvial Carniano (EPC) ou “Naquela época choveu pra caramba”. Acredita-se que a atividade vulcânica na Província Ígnea Wrangelliana uma intensa atividade vulcânica na região liberou enormes quantidades de lava basáltica, dióxido de carbono e outros gases na atmosfera, desencadeando mudanças climáticas significativas. Diferente de outras inundações de basalto associadas a extinções em massa, a erupção de Wrangellia coincidiu com um período de chuvas prolongadas conhecido como Episódio Pluvial Carniano, que transformou paisagens áridas em ambientes úmidos e férteis. Esse evento favoreceu a diversificação dos dinossauros e ajudou a moldar os ecossistemas que dominariam o planeta pelos próximos milhões de anos. Ela simplesmente transformou o deserto árido em um éden Dinossáurico.

Embora tenha sido um evento de extinção — com cerca de 30% das espécies do oceano exterminadas durante o EPC — a erupção de Wrangellia teve o tamanho certo para impulsionar a vida na Terra. A biodiversidade geral não mudou drasticamente porque a extinção foi acompanhada pelo surgimento de novas espécies mais adaptadas ao ambiente úmido que surgiu.

Mas como uma erupção pode causar uma mudança tão grande no clima? A resposta está justamente na liberação de gases de efeito estufa como o CO2 e CH4. Erupções como essa não apenas liberam CO₂ diretamente do manto da Terra, mas também podem desencadear a liberação de carbono armazenado em combustíveis fósseis, como carvão. Quando o magma a uma temperatura de 1600 ºC atinge camadas de carvão virgem, ele libera enormes quantidades de gases de efeito estufa, intensificando a formação de nuvens e o aumento das chuvas. Além disso, o metano (o CH4 que eu falei acima) quando sobe nas camadas superiores da atmosfera acaba sendo queimado por qualquer faísca elétrica, se convertendo em CO2.

Como você deve ter aprendido no colégio, ou lendo meus artigos, o aumento dos gases de efeito estufa aprisiona mais energia do Sol, que precisa ser redistribuída pelos sistemas da Terra. A principal forma de dissipação dessa energia é através do ciclo da água. Com temperaturas mais altas, há mais evaporação e mais chuvas. Durante o Episódio Pluvial Carniano, essa intensificação do ciclo da água transformou desertos em florestas e provocou mudanças profundas nos ecossistemas.

Além do CO2, o evento liberou gás sulfídrico (H2S), que reagiu com a água e o oxigênio para formar chuva ácida. Essa chuva alterou solos e oceanos, contribuindo para a extinção de algumas espécies. Registros geológicos mostram grandes quantidades de âmbar desse período, indicando que as plantas estavam sob forte estresse. A chuva ácida também corroeu rochas calcárias, criando novas cavernas e alterando paisagens inteiras e… como em toda reação de um ácido com carbonatos, liberou mais CO2.

Nos oceanos, os impactos foram ainda mais dramáticos. Grandes áreas ficaram sem oxigênio e altamente acidificadas, levando à extinção de várias espécies marinhas, como amonóides e corais. No entanto, outras formas de vida, como os dinoflagelados (plânctons oceânicos), prosperaram. Enquanto isso, em terra firme, os primeiros dinossauros, como o Herrerasauro, começaram a se espalhar e dominar os ecossistemas.

À medida que as chuvas transformavam a Pangeia, os dinossauros passaram a ocupar novos territórios. Fósseis indicam que, ao longo de milhões de anos, esses animais passaram de uma pequena presença para o domínio total dos ambientes terrestres. As pegadas fossilizadas mostram que, antes do Episódio Pluvial Carniano, quase não havia dinossauros, mas depois eles representavam mais de 90% das espécies registradas.

Esse período de chuvas intensas durou cerca de 2 milhões de anos, moldando para sempre a trajetória da vida na Terra. No entanto, o quinto ciclo de chuvas nunca veio. Quando a atividade vulcânica diminuiu, os níveis de CO2 começaram a cair, pois foram absorvidos pelas novas florestas que cobriam Pangeia. Parte dessa vegetação se tornou carvão, alimentando o mesmo ciclo de carbono que hoje usamos como fonte de energia.

Os dinossauros ganharam sua grande oportunidade nesse evento, assim como os mamíferos conquistaram a Terra após a extinção dos dinossauros. A história da vida no planeta mostra que, mesmo diante das maiores mudanças, a evolução segue seu curso e novas formas de vida emergem para se adaptar a um mundo transformado.

O impacto do Episódio Pluvial Carniano foi profundo e duradouro. À medida que os dinossauros se espalharam e diversificaram, eles se tornaram os principais habitantes da Terra por mais de 150 milhões de anos. Esse evento climático não apenas remodelou os ecossistemas terrestres e marinhos, mas também abriu caminho para a evolução de novas formas de vida, muitas das quais prosperaram no ambiente quente e úmido que emergiu após as chuvas prolongadas.

Além disso, esse evento nos oferece uma visão valiosa sobre as mudanças climáticas que enfrentamos hoje. Assim como o vulcanismo de inundação liberou enormes quantidades de gases de efeito estufa, impulsionando o aquecimento global e alterando os padrões climáticos, a atividade humana atual está desencadeando processos semelhantes, embora em uma escala diferente. O estudo desses eventos passados pode nos ajudar a entender como o clima da Terra responde a grandes perturbações e como a vida se adapta a novos desafios ambientais.

Se há uma lição a ser tirada dessa história, é que a Terra está em constante transformação, e as forças geológicas, biológicas e climáticas sempre interagem para moldar o futuro do planeta. A evolução da vida está intrinsecamente ligada a essas mudanças, e, apesar dos desafios que surgem, a natureza sempre encontra maneiras de se reinventar.

A extinção que abriu espaço para o domínio dos dinossauros é um exemplo claro de como eventos naturais podem mudar radicalmente a trajetória da vida na Terra. No entanto, ao contrário das erupções vulcânicas do passado, hoje somos nós, seres humanos, os principais responsáveis pelas mudanças climáticas. A queima de combustíveis fósseis, o desmatamento e a poluição atmosférica estão alterando a composição da atmosfera e os padrões climáticos de maneira acelerada, criando desafios para diversas espécies, inclusive para nós mesmos.

Ainda assim, a história do Episódio Pluvial Carniano também nos ensina que a vida é resiliente, ela sempre encontra um jeito.

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