A bola prateada que telefona pra casa

Os homens contemplam sua criação. Simples homens, mas a criação deles é um ponto de virada no mundo, na Ciência, na Tecnologia, na História, na própria Humanidade. O brilho prateado refletivo tem um quê de místico e alienígena ao mesmo tempo. O suave toque, liso como seria a mais lisa das coisas é algo indescritível. Por milhares de anos não pudemos sair de algo mais que dar um pulinho aqui e ali. Chegamos a dominar os céus, mas aquilo? Era a ficção tornando-se realidade. Um dos homens ajeita o óculos. Ele olha para os seus companheiros, que sorriem, e levanta as sobrancelhas. Sim, claro, respondem eles sem verbalizar; então, o homem toca de novo. Liso e macio.

O Homem não estava mais preso ao planeta, não estava mais preso sob o peso da atmosfera. O homem ganhou o Espaço e agora, o Espaço lhe seria um amigo útil, capaz de trazer a comunicação de lugares distantes.

A imensa bola prateada mudou a nossa História.

A Guerra Fria foi um período de tensões geopolíticas que dominou a segunda metade do século XX. Você estudou isso na escola. Tudo começou com o fim da Segunda Guerra Mundial, quando russos e americanos começaram a se estranhar. Isso transcendeu os limites terrestres e alcançou o Espaço, a fronteira final. Em 4 de outubro de 1957, a União Soviética inaugurou a Era Espacial com o lançamento do Sputnik 1, um acontecimento que abalou profundamente a psique americana e redefiniu o equilíbrio de poder global. Este primeiro satélite artificial, uma esfera de alumínio de 58 centímetros de diâmetro pesando aproximadamente 83 kg, orbitou a Terra emitindo sinais de rádio que podiam ser captados por qualquer pessoa com um receptor adequado – um feito tanto científico quanto propagandístico.

O Sputnik 1, apesar de sua relativa simplicidade, representava muito mais que um mero objeto em órbita. Equipado com quatro antenas externas e alimentado por baterias químicas, o satélite transmitia sinais de rádio em duas frequências diferentes: 20.005 e 40.002 MHz. Seus “bipes” característicos, transmitidos durante 21 dias até o esgotamento das baterias, tornaram-se um símbolo auricular da supremacia tecnológica soviética. O satélite continuou em órbita por três meses, completando 1.440 voltas ao redor da Terra antes de sua reentrada na atmosfera em 4 de janeiro de 1958.

Os americanos viram aquilo com terror. Não era só uma questão de ter uma bolona fazendo bipes o que implicava em superação tecnológica. Era um sinal, uma mensagem mais terrível: se os soviéticos podiam colocar uma bola daquelas em órbita tendo circuitos eletrônicos, podiam colocar qualquer coisa. E por “qualquer coisa” entendia-se um artefato nuclear. Era preciso dar uma resposta, e a resposta americana ao “choque do Sputnik” foi rápida e multifacetada.

Em 31 de janeiro de 1958, menos de quatro meses após o lançamento soviético, os Estados Unidos conseguiram colocar em órbita seu primeiro satélite, o Explorer 1. Este satélite, embora menor que o Sputnik – pesando apenas 14 quilogramas – carregava uma carga científica significativamente mais sofisticada. Desenvolvido por uma equipe liderada por Wernher von Braun no Army Ballistic Missile Agency, em cooperação com o Jet Propulsion Laboratory, o Explorer 1 foi responsável por uma das descobertas científicas mais importantes do início da era espacial: a detecção dos cinturões de radiação Van Allen.

O Explorer 1 foi lançado a bordo de um foguete Juno I, uma versão modificada do míssil balístico Jupiter-C. Seu design cilíndrico, medindo 203 centímetros de comprimento e 15,2 centímetros de diâmetro, era otimizado para minimizar o arrasto atmosférico. O satélite carregava instrumentos para medir radiação cósmica, micrometeoritos e temperaturas. Foi através de seu contador Geiger-Müller que o dr. James Van Allen e sua equipe descobriram as regiões de radiação aprisionada que hoje levam seu nome – uma descoberta que revolucionou nossa compreensão do ambiente espacial terrestre.

A corrida espacial estava oficialmente iniciada, e ambas as superpotências perceberam rapidamente que o domínio do Espaço não era apenas uma questão de prestígio científico, mas também de segurança nacional. Se o Sputnik mostrou que a URSS podia lançar coisa ao Espaço, os americanos provaram o mote da Engenharia: com tempo e dinheiro pode-se fazer qualquer coisa. No caso da corrida espacial, mais dinheiro do que tempo, e foi assim que o Explorer provou que os EUA não estavam tão atrasados tecnologicamente quanto se pensava inicialmente, e isso graças a um punhado de cientistas alemães com um passado meio questionável, ao passo que os russos pegaram as pesquisas dos cientistas alemães com passado questionável, jogaram na mesa da Academia Russa de Ciências e mandaram um “te vira que tu não é quadrado, tovarich”.

No meio dessa imensa competição tecnológica e científica, foram estabelecidas as bases para todos os desenvolvimentos espaciais subsequentes, incluindo o Projeto Echo. A necessidade de superar as limitações das comunicações terrestres tradicionais, combinada com o desejo de demonstrar superioridade tecnológica, criou o ambiente perfeito para o desenvolvimento de satélites de comunicação. O Echo, embora tecnologicamente mais simples que seus predecessores, representaria um avanço significativo na aplicação prática da tecnologia espacial para benefício direto da humanidade.

Este acima é o Echo. Sim, é um balão gigante de metal lançado pela NASA na década de 1960. Conhecido como o satélite mais bonito já lançado, com uma tecnologia de funcionamento criativa: ele simplesmente refletia sinais de rádio ao redor do mundo usando sua superfície reflexiva. Apesar de sua simplicidade, ele funcionava extremamente bem. Logo após seu lançamento, o presidente Eisenhower enviou uma mensagem de voz da Califórnia para Nova Jersey.

Até este ponto, toda a comunicação ao redor do mundo tinha que ser feita usando um labirinto louco de cabos submarinos ou depender da termosfera (ou ionosfera) para replicar os sinais de rádio que subiam, como se fosse um espelho. Então, a ideia da comunicação via satélite era alucinante, tendo sido prevista por Arthur Clarke.

Mas nem todo mundo achava que funcionaria. Alguns engenheiros achavam que a própria termosfera da Terra bloquearia quaisquer ondas de rádio que tentassem passar. Afinal, se o satélite estivesse acima da termosfera e replicasse o sinal que recebesse, a termosfera poderia ricochetear este sinal para as profundezas do Espaço.

Então, antes do Echo ser lançado, a NASA teve que provar que a comunicação via satélite funcionaria. Foi quando eles perceberam que já tinham um satélite que podia refletir sinais. No caso, um satélite natural: a Lua. E então, em uma série de testes, eles usaram com sucesso a Lua como um refletor gigante para enviar sinais de voz de Nova Jersey para a Califórnia.

Mas como isso realmente funcionava? Da mesma forma que a luz reflete em um espelho, as ondas de rádio também podem ser refletidas. Conforme o sinal é refletido na superfície, ele se espalha em todas as direções. Uma pequena porção do sinal retornará à Terra, onde poderá ser captada por um receptor em um local diferente. Um refletor maior retornará um sinal mais forte e focado.

E então, para que esses balões funcionassem, eles tinham que ser absolutamente enormes (reparem as pessoas nas fotos). O Echo 1 foi feito de uma folha gigante de plástico Mylar, que tinha 1/10 da espessura de um fio de cabelo humano. Mylar não é o nome de um material, mas uma marca comercial que nem a Pyrex, Blindex ou Gillete. Trata-se de um tipo especial de filme de poliéster esticado, mais conhecido como BoPET ou tereftalato de polietileno biaxialmente orientado. O filme BoPet foi desenvolvido pela DuPont, Hoechst e Imperial Chemical Industries na década de 1950.

O processo de fabricação do BoPET envolve uma série de etapas sofisticadas que começam com sua extrusão como uma película fina sobre uma superfície resfriada, geralmente um rolo. O aspecto mais crucial deste processo é o desenho biaxial do filme, que pode ser realizado de duas maneiras distintas: seja simultaneamente em ambas as direções através de máquinas especializadas, ou, como é mais comum na indústria, em um processo sequencial onde o filme é primeiro estirado em uma direção e posteriormente na direção transversal, utilizando rolos aquecidos para garantir a eficácia do processo.

A fase final da produção envolve o aquecimento do filme sob tensão controlada em temperaturas superiores a 200°C, um passo fundamental para estabelecer suas propriedades características. Uma peculiaridade interessante do filme puro de BoPET é sua superfície extremamente lisa, que cria um problema prático: as camadas tendem a aderir umas às outras quando o material é enrolado. Para contornar esta limitação, partículas inorgânicas são frequentemente incorporadas à superfície do filme.

Para que o Mylar tenha este revestimento extremamente brilhante, técnicas de deposição de vapor são empregadas para revestir o plástico com camadas metálicas, como ouro ou alumínio, expandindo significativamente suas aplicações potenciais. Atualmente, o Mylar é usado não só na indústria aeroespacial, mas como isolante térmico e cobertores que são facilmente transportáveis por unidades de socorro e até em estufas de planta, já que sua superfície lisa e muito brilhante refletem a luz, mesmo a infravermelha, que é essencialmente calor.

A folha de Mylar foi cortada em mais de 100 gomos, e a superfície refletiva foi feita à base de alumínio. Os gomos foram então colados para criar a esfera final. Ela tinha 30 metros de diâmetro, uma espessura de ridículos 12,7 micrômetros (12,7×10–6 metros), com uma massa total de 180 kg, sendo que no momento do lançamento pesava 71 kg. Um aspecto particularmente interessante de sua construção era a diferença dramática nas necessidades de pressurização entre a Terra e o Espaço: enquanto os testes de inflação em solo requeriam impressionantes 18 toneladas de ar para inflar completamente o balão, mas no Espaço não era necessário isso tudo, apenas 9 (sim, nove, apenas nove) quilogramas de gás eram suficientes para manter sua forma esférica.

O motivo é que, por não haver atmosfera no Espaço, não há ar fazendo força, ou seja, não há pressão atmosférica comprimindo as coisas. Assim, o gás dentro do Echo 1 fazia muito mais força de dentro para fora, e como um gás ocupa todos os espaços do recipiente que o contém, o Echo 1 se inflava que nem… bem, que nem um balão.

Depois de concluído, a NASA inflou o Echo pela primeira vez. E em 1958, esse balão gigante ganhou vida. Essa seria de longe a maior coisa já lançada no espaço e a única maneira de levá-lo até lá era empacotá-lo e inflá-lo quando estivesse em órbita (olhe aí ao lado como o Echo ficava quando estava dobrado). O problema é que isso provou ser um desafio enorme. Sem seu próprio suprimento de ar, como o Echo realmente se inflava?

Para inflar o Echo, em vez de carregar seu próprio ar, o balão tinha um sofisticado sistema de gás de reposição pesando cerca de 15 kg. Este sistema utilizava dois tipos diferentes de pós sublimadores: 9,1 kg de antraquinona e 4,6 kg de ácido benzoico. E assim, quando o balão era lançado no espaço, o calor do Sol rapidamente o transformava em gás, fazendo com que ele se expandisse dentro do balão. Em questão de segundos, esse enorme balão estaria totalmente inflado.

O satélite também foi equipado com faróis de telemetria operando em 107,9 MHz, alimentados por um conjunto de cinco baterias de níquel-cádmio, que por sua vez eram recarregadas por 70 células solares estrategicamente montadas na superfície do balão. Uma característica particularmente útil do Echo 1 para a pesquisa científica era sua grande relação área-massa, que permitia cálculos precisos da densidade atmosférica e da pressão solar. A integridade estrutural do satélite era mantida graças ao Schjelbond, um adesivo proprietário especialmente desenvolvido pela empresa Schjeldahl para esta aplicação específica.

Mas ter um objeto tão grande no espaço o tornava um alvo para micrometeoritos. Para combater quaisquer pequenas perfurações em sua superfície, o Echo 1 carregava suprimentos extras de ácido benzoico que podiam ser liberados para manter a pressão do balão. O Echo 2, por outro lado, tinha uma solução melhor. Sua pele também era feita de Mylar, mas estava imprensada entre duas folhas de papel alumínio. Quando o balão era pressurizado, a folha era esticada, fazendo com que endurecesse e ficasse no lugar. Isso tornava o balão rígido. Mesmo que micrometeoritos atingissem o balão, ele manteria sua forma.

Claro, esses balões gigantes e brilhantes acabaram sendo extremamente visíveis. Por uma década inteira, eles foram alguns dos objetos mais brilhantes no céu noturno, até mais brilhantes que a Estrela Polar, visível apenas no Hemisfério Norte. Mas esse brilho era, na verdade, uma característica fundamental. Para realmente enviar e receber sinais, as estações terrestres tinham que ser capazes de rastrear e travar no balão enquanto ele se movia pelo céu. E então, a maneira mais fácil era simplesmente apontar a antena parabólica diretamente para o balão quando ele estivesse visível.

Claro, isso só era possível quando o balão estava sobre aquela parte da Terra, e apenas durante as horas do crepúsculo, quando o Sol estava iluminando os balões. Se os balões não pudessem ser vistos a olho nu, eles poderiam contar com a rede de rastreamento da NASA, que fez o melhor para rastrear e prever as órbitas dos satélites. No Echo 2, eles incluíram um farol de rastreamento que enviava um pulso e tornava o balão muito mais fácil de rastrear durante o dia.

A maior parte da comunicação do Echo era feita entre estações terrestres construídas para esse fim na Califórnia e em Nova Jersey. Mas o Projeto Echo foi projetado como um experimento global. Graças à sua órbita polar, os balões passavam por todas as partes do mundo, permitindo que as transmissões fossem feitas por qualquer pessoa que tivesse o equipamento. As transmissões eram feitas até mesmo entre os EUA e a União Soviética, que apelidou o balão de Sputnik Amigável.

Mas os balões não eram úteis apenas para enviar sinais ao redor do mundo – eles também eram usados para medir com precisão o tamanho e o formato da Terra. Na época, nossas medições mais precisas dependiam da triangulação estelar, o que significava que as distâncias reais entre continentes e cidades podiam estar erradas em mais de 100 km. E assim, os cientistas usaram o Echo para mapear a localização exata de vários pontos ao redor da Terra.

Primeiro, eles mediram o tempo de viagem do sinal de dois locais diferentes, o que lhes daria a distância até o Echo. Então, medindo o ângulo em que o Echo apareceu no céu, os cientistas puderam formar um triângulo. Com isso, a distância entre os dois pontos pôde ser calculada com precisão de alguns metros. Isso tornou nossas medições da Terra cerca de 10 vezes mais precisas.

Mas a ciência não parou por aí com o Echo. Afinal, a NASA tinha apenas alguns anos na época – e muito pouco se sabia sobre os efeitos de longo prazo que os satélites experimentariam no espaço. Uma das maiores incógnitas era o arrasto atmosférico. Mesmo a uma altitude de 1.500 km, há pequenos traços de atmosfera que desaceleram os objetos em órbita. E com uma área de superfície tão grande, esses balões sentiram o efeito mais do que qualquer outro satélite. Graças ao Echo 1, a NASA conseguiu rastrear como sua órbita mudou ao longo de vários anos. Como se viu, mudou muito. Surpreendentemente, o arrasto atmosférico não teve nada a ver com isso. Em vez disso, o Vento Solar estava empurrando o Echo 1 em direção à Terra. Esse belíssimo exemplo de maravilha tecnológica caiu rem 7 de junho de 1969, mas fez uma grande diferença em como nos comunicamos.

Esses dois balões continuaram a funcionar perfeitamente durante os anos 60 e provaram que um sistema de comunicação global no espaço era uma boa ideia. Durante seu tempo no Espaço, esses balões icônicos ensinaram à NASA mais do que eles poderiam imaginar. O receptor que foi usado para detectar o sinal do Echo descobriu o Big Bang.

Os materiais desenvolvidos para o Echo ainda são usados em espaçonaves até hoje. Embora esses tipos de satélites tenham acabado se mostrando obsoletos perante a velocidade de desenvolvimento tecnológico absurda, seu legado como o primeiro salto nas comunicações espaciais viverá para sempre e o Echo 1 e 2 serão considerados os satélites mais bonitos já feitos para todo sempre.